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Rosana Jatobá

"Meio ambiente não é sobre esquerda ou direita", diz ex-ministra

ECOA

10/01/2020 04h00

Nesses 22 de jornalismo, já participei de muitos encontros e conversei com centenas de especialistas para discutir a questão ambiental no Brasil. Era um orgulho ver avançar a agenda verde nos mais variados setores e acreditar que poderíamos assumir a liderança rumo a uma economia de baixo carbono. Mas, de repente, parece que desviamos da rota.

Eu fui tentar entender os motivos com Izabella Teixeira, ministra do meio ambiente entre 2010 e 2016, PhD em Biologia, funcionária de carreira do Ibama, sem filiação a partido político. Uma das vozes mais assertivas e inspiradoras da sustentabilidade, com Prêmio Global da ONU (Organização das Nações Unidas) em liderança política.

Atualmente, Izabella é co-presidente do Painel de recursos naturais das Nações Unidas. Ela viaja o mundo espalhando seu profundo conhecimento pelos mais renomados institutos e universidades. E aqui em Ecoa, traz um olhar sobre como estamos tratando a questão ambiental e o que deve ser feito para sermos protagonistas da Revolução Verde.

Rosana: Em 2019, houve uma mudança na imagem do Brasil no exterior, que deixou de ser visto como uma das lideranças na questão climática e passou a ser considerado o vilão do meio ambiente. Que danos podemos aferir a partir desta má fama no cenário internacional?

Izabella: O Brasil sempre exerceu um papel de protagonismo não só do ponto de vista da sua diplomacia, mas em relação às suas políticas ambientais. Portanto, tinha o protagonismo e a liderança. O Brasil foi um dos países que lideraram a construção do Acordo de Paris. Eu estava na COP em Madri e fiquei muito surpreendida com a reação do mundo, de polêmica e de estranhamento das posições do Brasil, mas mais do que isso, da falta de capacidade de criar espaços de construção de soluções.

Do ponto de vista geopolítico, o Brasil está abrindo mão de um espaço (e essa é a sensação de todos) que tinha sido construído e conquistado no âmbito do multilateralismo naquilo que envolve as questões ambientais, particularmente a questão climática. Um retrocesso. É assim que está sendo visto por todos, não só no exterior, mas por vários segmentos aqui no Brasil. Se você quer liderar, você deve pensar sua capacidade de negociação, sua capacidade de construção de alianças. Mas o Brasil acabou se revelando com um desempenho absolutamente insuficiente na COP 25, ficou isolado e foi incapaz de apresentar propostas que pudessem criar convergências e alianças que levassem à conclusão das regras do Acordo de Paris, particularmente o art.6, e dessem ao Brasil uma nova luz de liderança.

Há um estranhamento geral, de muitos países, sobre as condições assumidas pelo Brasil. E não é só em relação ao desmatamento, mas também pela falta de transparência e de clareza sobre como as políticas ambientais do Brasil serão implementadas. As mudanças são importantes para a construção de novos caminhos e com soluções que possam ser estruturantes e permanentes. Mas os sinais políticos que foram dados pelo Brasil em 2019 foram sinais absolutamente contraditórios, afrontam os direitos da população indígena, a governança ambiental, o sistema nacional do meio ambiente colocado em xeque, o Conama desconstruído e reduzido… Ou seja, uma série de iniciativas que se mostram pouco efetivas. Os resultados são de fragilização da política ambiental e isso tem um impacto na credibilidade do Brasil. O mundo vê tudo isso com muita desconfiança.

Rosana: Por causa desses maus resultados, poderão ocorrer barreiras ao comércio brasileiro de produtos agrícolas?

Izabella: O Brasil não está percebendo que o mundo mudou e continua em franca mudança. O que o mundo está querendo saber é qual é a politica ambiental brasileira para os próximos 40 anos, e não dos 40 anos passados. Do ponto de vista internacional, a pergunta que se faz lá fora é a seguinte: "eu estou comprando algo que leva ao desmatamento? Os países que compram produtos brasileiros não aceitam mais desmatamento ilegal, destruição do meio ambiente, destruição de mananciais, etc. O Brasil terá que ser transparente. Não adianta fazer bravatas, não adianta querer gritar, nem apequenar a agenda global. Temos  que manter o chamado status formal de negociação. O G20, por exemplo, está cada vez mais exigente sobre as questões ambientais. E temos que considerar o consumidor, a pressão da sociedade. É muito sério o movimento na Europa com relação às escolhas pela sustentabilidade, pela busca de novos padrões de produção e consumo sustentáveis. Não é brincadeira. A situação do Brasil poderá levar a boicotes dos consumidores europeus e não apenas aos produtos do agronegócio, mas aos de outras cadeias industriais do país .

Rosana: Tivemos desastres ambientais como Brumadinho e o vazamento de óleo em pelo menos 980 praias do Nordeste e Sudeste do país. Como evitar novas tragédias?

Izabella: O Brasil tem muita dificuldade em lidar com os desastres ambientais de grande magnitude porque não tem cultura de prevenção de acidentes e de gestão de riscos.  Temos que investir mais em prevenção e ter mais transparência, capacitação para mobilizar a sociedade e as populações que estão mais vulneráveis, no que diz respeito à sua capacidade de resposta. O que assistimos em Brumadinho é inaceitável, sobretudo já tendo acontecido em Mariana. Todos os protocolos, tudo que foi desenvolvido para dar segurança às operações de uma atividade de risco como a mineração, não se revelou suficiente. Todas as salvaguardas encaminhadas pelo setor de mineração parecem que não funcionaram para evitar desastres. Isso mostra a incapacidade de lidar com a prevenção no Brasil. O brasileiro tem uma reação muito conservadora de gastar dinheiro com prevenção.

A mesma coisa em relação ao petróleo. O Brasil tem um plano nacional de contingência, só que não investe em fazer treinamentos, em prevenção. Quando acontece o desastre, nós ficamos procurando culpados, com uma baixa capacidade de responder a isso de maneira estruturada, com responsabilidade do poder público. Primeiro tem que resolver o problema e depois punir o responsável. O Ministério do Meio Ambiente custou a acionar o plano de contingência e deu uma explicação pouco transparente sobre o tipo de óleo, porque esse óleo é submerso, ficou um debate público de acusar ONGs  e países , etc. O Brasil tem uma importante indústria de petróleo e gás instalada, com uma grande capacidade institucional de lidar com emergências individuais e regionais, e isso foi pouco acionado. Há um despreparo em lidar com informações e lidar com ações  de prevenção e com a reação no Brasil. A capacidade de resposta não pode se concentrar apenas nos órgãos ambientais. A gente precisa de uma estrutura mais robusta de instituições públicas, que tem essa capacidade. A Marinha brasileira, por exemplo, é muito mais estruturada do ponto de vista de equipamentos do que o próprio Instituto Chico Mendes ou o Ibama para atuar nos acidentes marinhos. Todos tem que trabalhar de forma coordenada e articulada entre municípios, estados e a União. A legislação também tem que evoluir. A Lei nacional que disciplina derramamentos de óleo e de produtos químicos é de 2000. É preciso mudar a  regulação de prevenção de desastres. A sociedade deve exigir do governo e do congresso um debate mais transparente. 

Rosana: O mercado de carbono incentiva ações que consigam mitigar as mudanças climáticas. Países ricos que ultrapassam o limite de emissões compensariam o excedente, financiando projetos sustentáveis em países que estão respeitando os limites de emissão. O mercado de carbono é uma oportunidade para o Brasil?

Izabella: Claro que sim! É importante negociar o artigo 6 do Acordo de Paris, a fim de termos implementado um mecanismo de mercado para atender aos países em desenvolvimento. O Brasil lutou pelo mercado de carbono. Portanto, o Brasil tem que parar com essa história  de negacionismo. Mudança climática existe sim! E mais de 70% da sociedade brasileira acredita nisso. Outro aspecto: o Brasil está entre os 10 países que mais emitem carbono no mundo. Temos muita responsabilidade nisso, até porque parte expressiva desse cenário está associada ao desmatamento ilegal, atividade que não agrega nada economicamente.  Nossa responsabilidade é grande! Embora historicamente  o Brasil seja responsável por 3% das emissões globais, ele faz parte do grupo de emergentes que têm emissões crescentes. E no último ano, a responsabilidade é ainda maior, porque aumentou  o desmatamento. Então, combater o desmatamento é um imperativo legal, porque desmatamento é crime! E é um imperativo moral: a sociedade brasileira não tolera isso. As contradições no Brasil impressionam. Temos um governo que critica tudo que os governos anteriores fizeram em termos de preservação ambiental, e esse governo vai lá fora tentar pegar dinheiro dos países com base nos resultados que os governos anteriores obtiveram. Ao passo que os resultados do índice de desmatamento do último ano são de aumento de desmatamento. Isso gera um descrédito enorme ao Brasil, e as pessoas recebem como uma ironia. Como você quer que pague por algo que o Brasil tem que resolver internamente, porque é um crime ambiental? O Brasil não está substituindo uma atividade econômica por outra, como países que estão trocando a energia fóssil por energia renovável. O Brasil deveria se empenhar antes de mais nada em combater o crime de desmatamento. Com essa premissa, pode buscar uma estratégia para implementar uma economia de baixo carbono. 

Rosana: E como seria a implementação desse mercado? 

Izabella: Para ter mercado de carbono, o Brasil precisa ter um setor produtivo responsável, operante e envolvido nas discussões das regras do mercado de carbono. Não pode ficar só reclamando que o país precisa ser recompensado pelo desmatamento que evitou. Tem que preservar por dever moral, porque é crime. Países que combatem o tráfico de drogas não podem cobrar do mundo compensações. É obrigação. Tem que trazer  perspectiva de futuro, ter estratégia, mostrar por onde quer ir, dizer como quer implementar os compromissos avençados para que afirme sua rota de economia de baixo carbono. O Brasil hoje não tem nem visão, nem estratégia. Precisa ter soluções para chegar no Reino Unido, na COP 26, com condições de  fazer parte de um time campeão e não de um time perdedor, do qual  hoje infelizmente faz parte. Não se trata de um movimento de esquerda ou de direita. É uma escolha: fazer parte do mundo contemporâneo ou estar fora dele!

Sobre a autora

Rosana Jatobá é advogada e jornalista, com mestrado em Gestão e Tecnologias Ambientais pela USP. Foi repórter e apresentadora de televisão, tendo trabalhado na Band, na Globo e na RedeTV!. Foi eleita a melhor jornalista de sustentabilidade em 2013 e em 2016 e venceu o Prêmio Chico Mendes como Personalidade Ambiental do ano de 2014. Atualmente é âncora na rádio CBN e comanda o portal Universo Jatobá. Também é autora do livro de crônicas "Questão de Pele" e da "Coleção Jatobá para Ecoalfabetizaçao e Atitudes Sustentáveis para Leigos".

Sobre o Blog

Abordando atitudes sustentáveis do nosso dia a dia, o blog mostra como podemos buscar a melhor integração com o meio ambiente. Com mudanças e adaptações inteligentes, podemos viver em um lugar natural e agradável, além de economizar dinheiro, contribuir para minimizar o impacto socioambiental e gerar uma cidade mais saudável para todos. Começa no âmbito pessoal a mudança que desejamos ver no mundo.