O lado bom do coronavírus
É da China que vem o coronavírus, atual inimigo da saúde publica. De lá, também ecoa o ensinamento que nos fará triunfar diante deste e de adversários futuros.
A palavra "crise" em chinês é composta por dois ideogramas: um significa perigo e o outro, solução. De acordo com a sabedoria oriental, toda crise é o momento em que há ameaça e medo, mas também é o período em que existem inúmeras oportunidades.
Frente à epidemia do coronavírus, temos a chance de mudar, de alterar padrões de comportamento para evoluir.
Em uma longa entrevista que fiz com o infectologista e professor da USP, Esper Kallás, ele chamou a atenção para alguns fatos positivos trazidos pela Covid-19.
Higiene
Os povos estão aprendendo que a higiene faz diferença no combate a doenças contagiosas.
"Brasileiro adora tomar banho, mas não lava as mãos com frequência", disparou o Dr. Kallás. O coronavírus nos obriga a adquirir o hábito de usar mais o sabão, desinfetar objetos e a adotar a etiqueta de espirrar cobrindo a boca e as narinas com o braço.
Fumo zero
Outro efeito colateral positivo da nova epidemia: uma forte ofensiva contra o cigarro!
Profissionais de saúde alertam para o alto risco a que estão expostos os fumantes, já que o coronavírus faz a festa em pulmões poluídos. Quem fuma atenta contra o sistema imunológico. E imunidade baixa é tudo que os vírus querem.
Respeito à biodiversidade
Pelo aspecto ambiental, a epidemia nos ensina a respeitar os limites da biodiversidade.
O químico inglês James Lovelock em sua Teoria de Gaia, afirma que a Terra se comporta como um grande ser vivo, com mecanismos que ajudam a preservar os outros seres que abriga. Há uma sintonia fina e uma forte interdependência entre nós e todos os seres. Quando nos colocamos numa posição de domínio, dissociados do meio ambiente, essa conexão é rompida e o desequilíbrio põe em xeque a continuidade da existência.
Desde que passamos a estrangular os ecossistemas, destruindo habitats ou invadindo o espaço de outras criaturas, vivemos às voltas com pragas, extinção de espécies, e surtos de novas doenças.
O coronavírus vivia restrito ao mundo selvagem, mas adentrou a civilização.
Parece ter se originado em morcegos e passado por um animal intermediário antes de chegar a humanos, a exemplo do que ocorreu com a epidemia da Sars (síndrome respiratória aguda severa) no fim de 2002, que matou quase 800 pessoas e deixou milhares doentes no mundo.
Veio assombrar o mundo urbano por meio dos mercados de animais vivos na China. Alguns desses mercados vendem cobras vivas, tartarugas, cigarras, porquinhos-da-índia, ratos-de-bambu, texugos, ouriços, lontras, civetas e até filhotes de lobo. Carnes de caça como civeta e pangolins tendem a ser consideradas especialidades, e o consumo delas é estimulado tanto por um desejo de ostentação de riqueza, quanto por um misto de superstição e crença em benefícios de animais silvestres à saúde. A diversidade de animais silvestres em área urbana, confinados em pequenas gaiolas em bancas de feira lotadas, criou um laboratório perfeito para a incubação acidental de novos vírus que podem entrar nas células humanas.
O coronavírus nos ensina que não dá para manipular os bichos impunemente e resgata a enorme pressão contra a venda de animais silvestres.
Um grupo de 19 intelectuais chineses solicitou ao governo mais rigor na regulamentação e pediu ao público para parar de comer esses animais.
A Wildlife Conservation Society, uma ONG sediada em Nova York, quer a proibição global do comércio.
Uma campanha na plataforma de rede social Weibo atraiu 45 milhões de visualizações com a hashtag #rejectgamemeat (recuse carne de caça, em inglês).
Como resposta, autoridades de três agências chinesas já anunciaram um controle mais rígido, incluindo a suspensão nacional do transporte e venda de animais possivelmente ligados ao novo coronavírus.
A questão é: a China estará pronta para acabar com a comercialização de animais silvestres, abolindo uma tradição secular, em nome da segurança global? A ver.
Menos carbono
O que já está sendo visto é um céu mais azul na China.
A atmosfera está mais limpa diante da significativa redução das emissões de gases que contribuem para as mudanças climáticas.
Por causa do fechamento de fábricas e lojas, e de restrições a viagens para lidar com a epidemia da covid-19, houve um declínio substancial no consumo de combustíveis fósseis no país asiático. A queda foi de pelo menos 25% na emissões de dióxido de carbono (CO₂) em três semanas. A China emitiu 150 milhões de toneladas métricas (mtm) de CO₂ a menos que no mesmo período do ano passado, o que equivale a todo o dióxido de carbono que a cidade de Nova York emite em um ano.
E uma redução de 25% nas emissões da China corresponde a uma diminuição global de 6%.
Se a crise se espalhar e acabar paralisando setores importantes de outros países, a baixa de emissões será realmente significativa para os volumes anuais. O alívio da poluição é temporário, mas tem o potencial de mudar o comportamento e os hábitos de consumo das pessoas a longo prazo.
Inúmeras empresas multinacionais já lançam mão da tecnologia para restringir o embarque de seus executivos em aeronaves que soltam pesadas emissões de CO2. Home office também deve ganhar ainda mais adeptos a partir de agora.
Se os esforços da "pirralha" Greta Thunberg parecem insuficientes para convencer os líderes a respeitar a biodiversidade e migrar para uma economia de baixo carbono, o coronavírus infelizmente tem cumprido este papel.
E nos alerta para outra lição : "A vida ensina pelo amor, ou pela dor".
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